Não estamos colocar em risco um direito que nos assiste?
A Democracia é um regime de governo que tem por base que o poder de tomar decisões políticas reside na vontade popular. No caso mais comum, como o Português, por via indirecta, ou seja, por eleição de representantes populares que os representam, como os deputados.
Daqui se depreende rapidamente que não há democracia sem eleições livres. Se não há democracia sem eleições então o acto de votar deve ser encarado pelos cidadãos como o pilar fundamental para o regime democrático, seja ele uma República ou Monarquia Constitucional. Uma obrigação cívica para si e para com os seus pares.
Mas se assim é porque é que em Portugal se tem verificado um aumento cada vez maior da abstenção? Principalmente neste último acto eleitoral, a eleição do Chefe de Estado, o Presidente da República Portuguesa, com a abstenção a superar os 50%?
Muitas podem ser as razões, por exemplo, do ponto de vista técnico: erros diversos nos cadernos eleitorais que incluem cidadãos falecidos, emigrantes ainda registados nos cadernos e até situações em que a informatização originou um novo registo de um novo eleitor numa dada freguesia, mas o registo anterior não foi eliminado. Tal pode significar, segundo estimativas recentes na imprensa, mais de 1,25 milhões de eleitores. Se tal fosse ajustado a taxa de abstenção teria sido 46,4%!
Mas o que mais nos interessa é do ponto de vista político pensar porque é que as pessoas não foram votar pois, mesmo que o número real seja de 46,4%, este não deixa de ser significativo. E tal só pode ter duas interpretações: ou as pessoas julgaram que o resultado final não se iria alterar com o seu voto em particular ou não se identificam com o sistema político actual. Se a primeira pode colher alguma simpatia ela não explica uma taxa de abstenção em 2009 de 63,2% nas europeias, 40,3% nas legislativas e 41% nas autárquicas.
Na prática, mesmo retirando os tais 1,25 milhões de erros nos cadernos eleitorais, podemos verificar que há pelo menos 30% da população recenseada (2,6 milhões) que não vota. Este número não pode deixar de ser preocupante por tudo o que ele implica. Se dividirmos os cerca de 2,1 milhões de votos do PS de José Sócrates pelos cadernos ajustados de erros de 8,3 milhões verificamos que bastaram 25% dos votos para eleger um Governo e 42% dos lugares no Parlamento. Será que estas pessoas não têm consciência que se todos fossem votar passavam a ser o partido vencedor? Será que preferem governos ditatoriais?
Certamente os políticos também não podem ser completamente desresponsabilizados pois, a credibilidade de todo o sistema vem também do facto de se acreditar que aqueles que elegemos têm credibilidade para cumprir os seus programas eleitorais. Mas com tantas promessas quebradas, casos de corrupção e favorecimento, o sistema está claramente num dos seus pontos mais baixos.
E qual é a resposta dos eleitores a tamanho descrédito? A indiferença. Esta resposta poderia à partida parecer a óbvia, mas na verdade ela é destruidora, como se vê pelo facto de ser vencedor nas legislativas um partido com menos votos do que aqueles que optaram por ficar em casa, pois o afastamento dos eleitores não pune quem em vez de servir o Estado se tem servido do Estado. Pelo contrário, beneficia-os, pois dá-lhes uma sensação de impunidade pois à medida que os erros governativos, promessas quebradas e favorecimento ocorrem, as pessoas apenas se afastam e em vez de serem eleitos, por exemplo, com 3 milhões de votos passam a sê-lo com 2 milhões de votos, pois os eleitores quando se afastam fazem-no em descrença do sistema e tal acaba por prejudicar todos os partidos.
A solução só pode passar pelos eleitores pois, se eles não tiverem consciência de que o seu voto importa e não fizerem nada para mudar o sistema, seja pelo seu envolvimento em movimentos cívicos, pela criação de novos partidos, ou pela entrada destes descontentes nos partidos para mudarem o sistema por dentro, ou este irá apodrecer cada vez mais.
Se a vontade popular é a base da democracia esta só pode existir se for expressa pelo voto.